quinta-feira, outubro 25, 2007

Agora, ela já não andava com a leve sutileza de outrora. Seus pés estavam fincados no chão. Assim, tirava a toalha da mesa e chacoalhava para sair todas as migalhas. Era o seu momento ápice do dia. Nessa hora, quando sozinha em casa, sem a fala grossa de Carlos, sentia-se dona de si e da sua história. E chorava, às vezes. Como quem chora pelas bagagens da vida. Não sabia o porquê daquele nó da garganta. Alguns acreditavam que ela andava louca. A vizinha sempre disse que a moça carregava ressaca no olhar. Era a tristeza que habitava o seu interior mais profundo.
No dia 25 de abril de 1994, ela decidiu que seria infeliz. E assim foi, desde então.
Casou-se aos 30 anos, é dona de casa e às vezes pinta, canta e fala sozinha. Ana é o seu nome. Ela gosta de azul, mas se nega a usá-lo. Não tem filhos, ainda. Da infância à maturidade lhes direi depois. Mas, tente entender o presente que a ronda. Era um acordar e dormir eterno. Todo dia era domingo e todo domingo ela vestia sua blusa amarela cor de ovo. Ela se sente amada, sabe que Carlos come um caminhão de merda por eles. Justo aí surge todo o desinteresse e a acomodação. Ana é complicada, pensa o sentimento e a expressão não vêm. Gosta de flores, tulipas mais precisamente. Olha para elas e sente toda a subjetividade da natureza. Mais uma constatação: gosta de sentir e se afasta do dizer. Por isso, é tão difícil escrever sobre ela. O livro teria umas duas páginas de folhas brancas com cheiro e gosto.
Voltando ao presente, ao Carlos e a tristeza. Ana queria ter 20 anos e todas as possibilidades desse tempo. O relógio agora era seu martírio. Se bem que a essa altura, pouco se importava com a passagem do tempo. Media a hora pelas refeições, porque de resto andava meio perdida nos seus pensamentos. Realmente, os vizinhos estavam com toda razão. A loucura tinha acometido aquela cabeçinha. Ela veio aos poucos, passando as mãos em seu cabelo, dizendo palavras bonitas e foi. Aproveitou-se da sua inconstância e de seu coração solitário. E do seu próprio não-entender.
Tinha esperanças. Quer dizer, isso até o mês nove desse ano. Quando ainda fazia diferença viver e morrer, falava pouco, no seu tom subjetivo e se questionava sobre as coisas. Gostava quando, ao acordar, Carlos colocava-a no peito. Era incrível como o encaixa era perfeito. Ele falava de catástrofes aéreas, ela pensava na dor de perder um ente querido. Entendia que a comoção era geral, mas as tragédias, essas eram sempre particulares e intransferíveis. Ele falava de e-mail, cotações e trânsito. Ela era uma menina do tempo de cartas. Nesse tempo ainda de primaveras internas, gostava era das coincidências. Coincidências que vinham da alma e deixavam a vida com gosto de caldinho de chiclete de morango.

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